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LINEKER : uma autocrítica


Nesta semana, como falei em diversas postagens em minhas redes sociais, meu álbum LINEKER completou quatro anos de lançamento. Passado esse tempo, sinto que consigo olhar para o trabalho de uma forma mais distanciada e reconhecer com mais clareza suas potências e fragilidades. Lanço-me portanto nesse exercício de escrita em que pretendo fazer uma autocrítica de minha própria obra, com o intuito de tentar compreender um pouco mais alguns aspectos tanto do trabalho em si quanto da minha trajetória antes e depois desse disco. Com esse gesto busco ainda tornar mais precisas as escolhas a serem feitas em meus próximos trabalhos.


Há que se colocar em primeiro lugar que o álbum LINEKER é, sem dúvidas, um marco em minha discografia. Não só por ser o último álbum que assinei com meu nome de batismo (que abandonei poucos meses depois do lançamento), mas principalmente por sua direção estética e musical.


O disco foi produzido por mim e por meu grande parceiro Chicão (Montorfano), entre abril e outubro de 2016, em um processo de intensa simbiose e imersão no Estúdio Lamparina (São Paulo, SP). É o primeiro álbum cujo repertório é formado em grande parte por canções de minha autoria. É também um álbum que rompe completamente com as influências da MPB dos anos 70 que nortearam a estética do meu primeiro disco (eLe, 2012), dando lugar a um intenso flerte com o pop experimental de artistas como Björk, Dirty Projectors, Tune-Yards e St. Vincent.


O disco não teve pré-produção, e os processos de composição, criação de arranjos, gravação, pós-produção e mixagem aconteceram maneira experimental e simultânea. Dentro desse espectro, vale mencionar que as gravações começaram pelas vozes (principais e coros) e só depois foram adicionados os outros instrumentos.


O trabalho possui, a meu ver, como principal mérito o fato de apresentar uma sonoridade de certa maneira rara até então para a canção popular brasileira. Os arranjos exploram diferentes usos da voz, com coros, cânones, contrapontos, ostinatos, glissandos e melodias microtonais que, somados a programações eletrônicas, produzem uma tensão interessante entre a música pop e a música experimental. Esse jogo acaba por tornar mais palatável estruturas musicais que a princípio poderiam afastar um ouvinte menos familiarizado com canções em 5/4 e 9/8, beats irregulares e assimétricos, polirritmias, ruídos e microtonalismos.


No entanto, os mesmos elementos que tornam o trabalho de certo modo singular contribuem também para que em alguns momentos ele se revele um tanto quanto ingênuo e muito preso às referências musicais já citadas. O maior exemplo disso talvez seja "Relief", canção pueril composta em inglês cujo arranjo é quase um "copy and paste" de Tune-Yards. A ingenuidade aparece também na composição Rotten God, de letra e melodia frágeis e um dos pontos mais baixos do disco.


A canção "Bolero Bird" talvez seja o maior equívoco do álbum. Não por ser uma canção ruim, mas por destoar do conceito e da estética do disco tanto na estrutura da composição quanto no arranjo. Ela acaba quebrando uma certa unidade que o restante do trabalho possui, e isso não é algo que ajude ou potencialize sua escuta.

Já os pontos altos do disco, tanto em relação à qualidade das composições quanto aos arranjos e produção musical são "Da Menor Importância", composição de Maria Beraldo, "Cuidado", canção que ganhei de presente de Alexei Alves, "Alguém Segure Esse Homem" e "Golpe", ambas minhas.


Apesar de "Três" e "Desencarnar" serem canções menos potentes que as citadas no parágrafo anterior, elas se mantém acima da média e contribuem com a narrativa do disco. Eu particularmente amo o arranjo de "Três", e acho um dos momentos mais interessantes da relação entre coros de voz e batidas eletrônicas, além da preciosa participação dos clarinetes e clarones de Maria Beraldo.


Muitas pessoas falam sobre "Não Recomendado", composição de Caio Prado com participação especial do mesmo que fecha o disco. A canção se tornou bastante emblemática, sendo na minha percepção quase um hino de um período específico da música brasileira no qual a pauta LGBTQIA+ ganhou luz. Modéstia à parte, com exceção da versão original lançada por Caio, considero o nosso arranjo uma das melhores versões da canção. No entanto vale lembrar que a canção não faz parte do álbum. Numa decisão mais que acertada, sugerida por meu querido amigo e conselheiro Giovanni Pirelli, ela se tornou na verdade uma bônus track, ou seja, uma espécie de single lançado como um presente junto com o disco. Como Giovanni bem colocou, ela não pertence ao universo do disco, até pelo fato de ser uma canção que já estava em meu show anterior.


Hoje, quatro anos depois desse lançamento e de uma série de processos e metamorfoses, ouvir esse disco novamente me alegra. Reconheço ali o início de um processo de amadurecimento como compositor e produtor musical e, principalmente, um mergulho radical na busca por me entender como músico. Não só em relação ao QUE eu quero fazer, mas COMO eu quero fazer (é clichê, mas é verdade). Ironicamente, foi justamente fazendo um álbum chamado LINEKER que compreendi que meu trabalho não cabia mais nesse nome. É como se os deuses tivessem me pregado uma peça para me fazer ver que o nome que me fora dado por meus pais (a primeira das violências que um ser humano sofre, segundo Jodorowsky) não era mais compatível com quem eu me tornei depois desse álbum e dissessem: Cuidado, a verdade não cala!


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